Após um ano em vigor, LGPD já embasou mais de mil sentenças na Justiça
18 de setembro de 2021
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) completa um ano em vigor neste sábado (18/9). Ao analisar o período, especialistas avaliam que o regulamento foi essencial para começar a instalar uma cultura que já está madura na Europa: a privacidade de informações. Depois de 12 meses em vigência, a lei já embasou 1.102 sentenças judiciais de cidadãos que questionam o uso de seus dados por empresas. Até julho, eram apenas 600 decisões.
As sanções da LGPD passaram a valer em 1º de agosto, o que fez aumentar o volume de processos nos meses que se sucederam. Isso explica por que, de julho até agosto, o número de sentenças mais que dobrou. Somente no mês passado, foram registradas 196 ações.
O levantamento foi feito pela JUIT, uma startup focada em pesquisa de jurisprudência e jurimetria, a pedido do Metrópoles. De acordo com o resultado, o Tribunal de Justiça de São Paulo liderou as decisões envolvendo a LGPD. Em seguida, no ranking, aparecem o Distrito Federal e o estado do Paraná.
Dentre as ações, uma em cada oito foi por vazamento de dados. Em números absolutos, isso representa 132 decisões.
O assunto é cada vez mais discutido entre pesquisadores, juristas e economistas. Neste ano, especificamente em março, a pauta se tornou ainda mais urgente. Um hacker vazou informações de 112 milhões de brasileiros, incluindo números de WhatsApp, profissão e faixa salarial.
De acordo com o advogado especialista em proteção de dados, Fabrício Mota, o cenário poderia ser diferente se a lei tivesse sido desenvolvida e aprovada há anos. “Com a LGPD mais madura, a proteção seria mais eficaz. A lei veio para prevenir os vazamentos. Esse é o propósito. Mas o momento foi muito tardio”, opinou.
Por outro lado, ele destaca que essa superexposição é extremamente positiva. “A LGPD tem um papel muito importante nisso, uma vez que obriga a notificação dos consumidores em caso de vazamento. A ideia é: vazou? Tem que dar a notícia. Isso gera uma cultura de maior atenção”, ponderou o especialista.
Segundo o advogado, começou uma espécie de “viralização” do assunto, e cada vez mais as pessoas estão buscando conhecer seus direitos – mesmo que ainda receosas.
Conforme o levantamento da Juit, por exemplo, em âmbito trabalhista, é possível ver que muitas ações têm pedido de segredo de Justiça em razão de as pessoas terem receio de seu nome aparecer em motores de busca, como Google, associado a ações judiciais.
“Esse pedido de segredo de Justiça vem no sentido de que as pessoas não querem que seus futuros empregadores consultem o Google para procurar suas reclamações contra empregadores anteriores”, apontou Deoclides Neto, fundador e CEO da empresa.
Entre as decisões que vingaram, a que teve maior valor de causa ocorreu em agosto. A decisão determinou que a Prudential do Brasil Seguros de Vida S/A pagasse R$ 95 mil a um reclamante. Na sentença, consta:
“Os presentes autos visam a responsabilização civil de empresa de seguros pelo tratamento inadequado de dados pessoais e sensíveis do consumidor Autor, após a sua exposição a terceiros, a partir de uma base de dados digital de controle e responsabilidade da empresa Ré”.
A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), órgão ligado à Casa Civil, é responsável pela aplicação das multas, que podem chegar a até 2% do faturamento de uma empresa, com limite de R$ 50 milhões por infração.
Para a advogada especialista em compliance Anna dantas, esse é o futuro. “Devemos esperar que a LGPD cresça, pois a tecnologia é o futuro, e cada inovação deve vir acompanhada da necessária prevenção e sanção”, afirmou.
“Algumas pessoas ainda não têm noções básicas, como ‘o que é um dado’. Para isso, é necessária uma força-tarefa pública e privada pra disseminar as informações principais para a sociedade”, completou.
O pesquisador e membro do grupo de estudo sobre a LGPD da Pontifícia Universidade Católica do Paraná Matheus Rocha Loures concorda com o diagnóstico da advogada e acrescenta que a expectativa para os próximos anos é muito positiva.
“Com a cultura e a maturidade da proteção dos dados na sociedade, agregadas a algumas adaptações, como no que diz respeito à norma de aplicação da LGPD para micro e pequenas empresas, que foi abordada em audiência pública nos dias 14 e 15 de setembro, as projeções são muito boas”, explicou.
Segundo o analista, a lei se aplica “em grande volume” a empresas de grande porte, mas ainda não tornou-se uma cultura nas empresas de micro e pequeno porte, o que fará toda a diferença quando ocorrer.
Conforme apontam os dados do Serviço de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), só em 2020, foram abertos 626.883 estabelecimentos em todo o país. Desse total, 535.126 eram microempresas (85%) e 91.757 (15%) eram empresas de pequeno porte.